terça-feira, 4 de março de 2008

A 7ª já vem a caminho?...

No seu primeiro dia de existência, a 6ª. alteração ao regime jurídico da urbanização e edificação já provocou nota de primeira página de jornais e noticias em todos os telejornais nacionais.

A tesoura de atarracar não pode deixar (pelo que já ouviu e leu sobre o assunto) de mais uma vez, num mero exercício interpretativo desta 6ª. alteração tentar esclarecer:




Até 2 de Março de 2008, existiam:



1.LICENÇAS respeitantes a loteamentos fora de planos de pormenor, obras de urbanização com consulta a entidades externas, obras de construção, ampliação ou alteração (fora de loteamentos, ou em edifícios classificados ou em vias de classificação, ou em zonas de protecção, ou em áreas de servidão ou restrição) e, a alteração da utilização de edifícios fora de loteamentos.



2.AUTORIZAÇÕES respeitantes a loteamentos dentro de planos de pormenor, obras de urbanização sem consulta a entidades externas e, obras de construção, ampliação ou alteração inseridas em loteamentos.



3.COMUNICAÇÕES PRÉVIAS respeitantes a obras de conservação, obras de alteração no interior das casas desde que não impliquem modificações de estrutura, cérceas, fachadas e telhados (desde que os edifícios não estejam classificados) e, obras de escassa relevância urbanística desde que previstas em regulamentos municipais.

Nos três casos, existiam projectos e termos de responsabilidade de técnicos habilitados. Só as LICENÇAS e as AUTORIZAÇÕES davam origem á emissão do alvará de licença de construção, acompanhados por um sem número de documentos, entre os quais, termo de responsabilidade do técnico da obra e alvará de construção do empreiteiro.





A partir de 3 de Março de 2008, existem:



1.LICENÇAS, que são as mesmas LICENÇAS que funcionaram até 2 de Março de 2008.



2.COMUNICAÇÕES PRÉVIAS, que são as antigas AUTORIZAÇÕES – com algumas novidades - mas, com a regulamentação das antigas COMUNICAÇÕES PRÉVIAS.



3.OBRAS DE ESCASSA RELEVÂNCIA URBANISTICA, que são as anteriores COMUNICAÇÕES PRÉVIAS – mais algumas – mas, sem qualquer tipo de controlo prévio municipal. Ou seja, sem projectos, sem termos de responsabilidade, sem técnico responsável, sem alvará de construção do empreiteiro, …



Fora de qualquer tipo de “procedimento” ficam as:


a) "obras de conservação e,"


b) "obras de alteração no interior das casas desde que não impliquem modificações de estrutura, cérceas, fachadas e telhados (desde que os edifícios não estejam classificados)."



Exemplo: qualquer proprietário pode alterar a casa por dentro, pondo a cozinha no quarto, a casa de banho na sala e a sala na cozinha, sem “dar cavaco a ninguém”, desde que não altere a estrutura, cércea, fachadas e telhados e, desde que a sua casa não esteja classificada. Ter-se-ão esquecido que um edifício para ser classificado, o seu interior também contribui para essa classificação? Quem não se lembra do famoso “Éden Teatro” em Lisboa (ex-Virgin e agora Loja do Cidadão)? Era o seu interior que o tornava único… agora, é só mais um edifício…




Nas novidades das COMUNICAÇÕES PRÉVIAS estão:



a) "obras de reconstrução com preservação de fachadas;"


ou sejam, as obras tipo “Chiado” – a fachada fica mas toda a estrutura, cércea telhados e interiores, é alterada.



b) "as obras de construção, alteração ou ampliação em zona urbana consolidada que respeitem os planos municipais e das quais não resulte edificação com cércea superior à altura mais frequente das fachadas da frente edificada do lado do arruamento onde se integra a nova edificação, no troço de rua compreendido entre as duas transversais mais próximas, para um e para outro lado;"


Exemplo: numa rua a descer, qual é a cércea mais frequente? Na opinião do promotor será a mais alta ou a mais baixa? Alguém tem um prédio de dois pisos que vai demolir e reconstruir. Para cima, tem um prédio de 6 andares. Para baixo tem um prédio de 3 andares. Em frente, tem um prédio de 5 andares. Qual é a cércea dominante? Ou melhor, o que é que pode ser construído?




c) "a edificação de piscinas associadas a edificação principal;"


Exemplo: qualquer lote pode no seu logradouro construir piscina (ou piscinas), com a dimensão que quiser, onde quiser, desde que esteja associada à casa.




d) "as alterações à utilização dos edifícios, bem como o arrendamento para fins não habitacionais de prédios ou fracções."


Exemplo: alguém aluga um apartamento. O inquilino que iria lá morar decide alterar a utilização da fracção. Faz um bar e trespassa. E o dono da casa? Senta-se e vê…





Mas, são as OBRAS DE ESCASSA RELEVÂNCIA URBANISTICA, que vêm revolucionar a relação do proprietário/promotor/loteador com as Câmaras. De fora de qualquer tipo de controlo prévio têm-se:



a) "construção de edificações, contíguas ou não ao edifício principal com altura não superior a 2.20m;"


Exemplo: num terreno com uma casa de piso térreo com 200m2, o seu proprietário pode construir outra casa (ou outras casas), contigua ou não, com a mesma área ou superior, desde que a altura não exceda os 2.20m.



a1) "ou em alternativa, construção de edificações à cércea do r/c do edifício principal, com área menor ou igual a 10m2 e não confinante com a via pública;"


Exemplo: num terreno com uma moradia, o seu proprietário pode construir à altura do r/c (que se for um pé direito duplo, pode atingir 4 a 5m de altura), as edificações que quiser desde que cada uma tenha 10m2 e, não confinem com a via pública.




b) "muros de vedação até 1.80m de altura desde que não confrontem com a via pública;"
b1) "muros de suporte de terras até 2m de altura;"
b2) "muros de suporte que não alterem significativamente a topografia dos terrenos existentes;"



Observação: para uma lei nacional, um critério que utiliza a expressão “alterar significativamente a topografia” é ambíguo porquanto o território português é morfologicamente diferente. Isto é, um muro no Alentejo não é igual a um muro em Trás-os-Montes, nem tão pouco o impacto que este causará na topografia dos terrenos. Ou seja, o proprietário achou que não alterou significativamente a topografia do terreno. Mas o fiscal (entenda-se Câmara) considerou que alterou significativamente a topografia. Quem tem razão? Quem repõe, ou não, a topografia e os valores naturais que eventualmente pudessem existir?



c) "estufas de jardim com 3m de altura e área igual ou inferior a 20m2;"


Observação: estufas? Quantas? E onde se localizam? Nos muros confinantes com a via pública? E o que é uma estufa de jardim? Poderá ser utilizada como sala de festas para banquetes de casamentos e baptizados? Como sauna? E que materiais? Alumínio branco? Toldos e avançados tipo campismo?



d) "pequenas obras de arranjo e melhoramento da área envolvente das edificações, que não afectem áreas de domínio público;"


Observação: será que uma pequena obra de arranjo e melhoramento à volta da casa, pode ser a pavimentação do logradouro, porque manter um jardim e cortar a relva dá muito trabalho (sabendo-se que o domingo é para vestir a melhor roupinha e ir passear?), para já não falar na rega do jardim e nas contas de água ao final do mês?



e) "edificação de equipamento lúdico ou de lazer associado à edificação principal com área inferior à desta última."


Exemplo: um terreno com uma casa de 500m2, pode construir um equipamento lúdico ou de lazer com 499,99m2. E em quantos pisos? Os mesmos da casa? Ou mais? Com caves? Localizado onde? Nos muros? E o que é um equipamento lúdico ou de lazer? Salão de jogos? Um squash? Um campo de futebol? Um SPA? Um campo de tiro? Um kart? Uma pista de motocross/moto4?



f) "a demolição das edificações referidas nas alíneas anteriores" (no comments).

Nota: Qualquer destas OBRAS DE ESCASSA RELEVÂNCIA URBANISTICA podem ocorrer associadas a equipamentos existentes, hotéis, empreendimentos turísticos, etc.

Ou seja, alguém que tenha um terreno, aprova na Câmara um projecto para construir uma casa com 200m2. Depois, constrói a casa para a qual tem projecto mas, em obra, decide alterar todo o seu interior, não mexendo na estrutura, na cércea, nas fachadas e no telhado, não cumprindo por isso qualquer projecto que submeteu à apreciação da Câmara (à excepção do relativo à estrutura).
No entretanto, pode sempre construir sem qualquer tipo de comunicação à Câmara uma outra casa, com a mesma área ou superior, desde que não exceda 2.20mde altura. Pode ainda, construir uma piscina desde que a associe à edificação principal, sem restrições de dimensão ou localização. Pode também construir os anexos que quiser desde que cada um tenha apenas 10m2. Depois, pode completar a intervenção com uma ou duas ou três (ou as que quiser), estufas de jardim, cada uma com 20m2.
Como já não tem chão, pode no que resta colocar uns mosaicos anti-derrapantes e fazer o chamado arranjo e melhoramento da área envolvente das edificações.
Como já não tem área livre de terreno , pode ainda fazer uma grande cave e chamar-lhe equipamento lúdico de lazer, tipo squash com sauna, sala de jogos, …(e se calhar ainda pode alugar este espaço e abri-lo ao público… e se tiver um arrendatário, este pode alterar o uso e trespassá-lo…)
Do projecto aprovado para construir apenas 200m2 numa casa, o proprietário pode construir o que quiser, onde quiser e como quiser. Sem caroço.

A inovação desta 6ª. alteração é apostar na fiscalização das Câmaras. Cabe então à fiscalização dos municípios deste país, controlar este tipo de obras.


Exemplo: alguém desata a construir no seu terreno. O fiscal vai lá e, a primeira coisa a fazer é medir a construção. Depois, porque não existem projectos, nem técnicos responsáveis, nem construtores ou empreiteiros, tem que recorrer aos serviços camarários para verificar se aquela obra está a cumprir as normas legais em vigor, nomeadamente os planos e os regulamentos municipais. Se não estiver, o fiscal volta à obra e participa-a, notificando o proprietário. À Câmara caber-lhe-á ordenar a demolição da construção. Depois… Depois é o que se sabe e o que se vê. Ninguém procede à demolição de coisa nenhuma. Está construído e fica lá. Mesmo que “viole” os planos e os regulamentos municipais. Ou será que as Câmaras vão começar a demolir anexos, estufas, equipamentos lúdicos ou de lazer, …? Se assim for…

É claro que estas OBRAS DE ESCASSA RELEVÂNCIA URBANISTICA só são possíveis desde que sejam cumpridos os regulamentos e normas urbanísticas em vigor. Mas isto, parece que ninguém sabe ou não quer saber.
Haverá que, se não existem, criar as normas urbanísticas municipais que permitam “controlar”, esclarecendo as ambiguidades que esta lei nacional impõe para um conjunto de distritos tão diferentes entre si.

Tem pelo menos um lado positivo. Acabaram-se as reclamações de que as Câmaras só empatam os processos. Deixam de haver as picuisses dos arquitectos e a falta de disposição dos engenheiros, que provocam atrasos de semanas, meses e até de anos, em processos de construção que os proprietários apresentam às Câmaras.

Agora toda a gente pode construir a seu belo prazer, como quiser e onde quiser. E nada de reclamar porque “o gosto dos outros”, não é o nosso! Há quem goste de uma bela chapa de zinco pregada numas madeiras a fazer de telheiro para pôr o carro à sombra. Há quem goste de um churrasco bem alto, encostado ao muro, para que o fumo saia para o terreno do vizinho, em cheio na janela do quarto. Há quem goste de espreitar os vizinhos na piscina e construa uma escada agarrada ao muro com uma plataforma tipo miradouro. Há quem goste das coisa mais incríveis e, há quem não goste.

Aguentem-se. É a nova lei do país. A pedido de muitos e aprovada por todos. Agora, é esperar para ver. Será que as Câmaras vão inundar os seus territórios com regulamentos exaustivos que consigam controlar todas as situações? Ou será que vão aproveitar este “retirar de responsabilidades”, imposto por uma lei nacional?

Espera-se que os municípios elaborem os regulamentos municipais rapidamente, que imponham regras e obrigações conformadas com a nova legislação.

No caso concreto do concelho de Sesimbra, a tesoura de atarracar espera ver a Câmara e/ou a Assembleia Municipal aprovar um regulamento municipal que consiga definir “equipamentos lúdicos”, “alterar significativamente”, “estufas de jardim”, etc… conformados com a realidade das várias aldeias, sítios e lugares que compõem o concelho, não esquecendo os PU, PP, PNA, REN, RAN, POOC, … e todas as outras novidades desta 6ª. Alteração, que passam despercebidas mas que alteram conceitos interiorizados (com muitos anos) tipo destaques, loteamentos e divisão de propriedades, cedências, …

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